Burn (queimar) out (fora), mas para bom entendedor: o fogo acabou, o fogo tá fora, a vida tá fora. O trabalho, que deveria dar dignidade, consome, esgota, apaga. Foi-se o tempo em que o empregador se preocupava com a saúde do empregado. Sem mão de obra, o trabalho parava. Hoje, sem mão de obra, o trabalho segue robotizado e se não tiver robô, segue a fila do pão dos desempregados, queimados fora, noves fora.
Burn-out
O trabalho é parte importante, fundamental, da vida. Não apenas por um romantismo utópico, por uma ideologia social decorosa, o da sociedade fundada sobre o valor do trabalho, mas porque o trabalho nos consome muito tempo de vida.
Graças à construção social, à civilização, e à importância que demos ao trabalho, o homem nem sabe quem ele é sem uma profissão. Pergunte “quem você é” a alguém de cultura ocidental e este alguém dirá a sua profissão. Ser significa ter uma profissão.
O Fogo Ideal
Assim quis a civilização, assim fizemos as regras que organizam a sociedade em éticas profissionais e deontologias. O Ideal de Eu, ditado por essas regras e outras mais, fizeram do homem um ser obediente e produtivo.
O fogo do Eu Ideal foi queimado pelo Ideal de Eu: Quem eu quero ser e quem a sociedade quer que eu seja foi burn-out (queimado fora, queimado vivo, esgotado, apagado).
É todo um sistema formado nesse sentido desde que o mundo é mundo, mas agora está pior e não é sensação de estar pior, é fato que o trabalho está passando por uma transformação, assim como passamos pela Revolução Industrial. Os mais otimistas dirão que dá para tirar proveito e que a Revolução Tecnológica Digital, ou mais precisamente agora, a Revolução Artificialmente Inteligente (termo criado com devida licença poética), não é de todo ruim. Ou seja, há a possibilidade de fazermos dessa nova revolução algo bom. Por exemplo, dar finalmente dignidade trabalhista ao homem, quando máquinas poderão fazer trabalhos menos valorizados socialmente.
É tudo muito interessante porque a questão é propriamente a contrária. A Inteligência Artificial poderá, em breve, substituir justamente os trabalhos mais complexos, para isso, basta ter uma receita de bolo, a tal denominada algoritmo.
O que se vê por aí é um mundo dividido entre desempregados e super explorados. Os super explorados queimados vivos até a última chama (burn-out), mantida acesa por vários mecanismos: dos psicofármacos à yoga, mas sobretudo pela ameaça do desemprego.
Se antes algumas pessoas acreditavam que a lógica marxista, a da sociedade dividida em trabalhadores contra os donos dos meios de produção, era, apesar de simplista, uma esperança de revolução que desse dignidade ao homem, hoje a dinâmica é eu contra eu mesmo, porque as pessoas precisam se vender, elas mesmas como produtos, influencers, coaches e acreditar no milagre de que um dia, em algum lugar, suas potencialidades serão reconhecidas por milhões de followers.
Não à toa dizem que a depressão é o Mal do Século. Não à toa estamos ansiosos. Não à toa a cada dia tem-se uma nova “doença” que descreve o indescritível da angústia.
Burn-out porque o Ideal de Eu não mais dá conta de construir o Eu Ideal. “O trabalho liberta o homem” foi uma frase de boas-vindas ao campo de concentração nazista. Talvez, a única liberdade que podemos ter, a esse ponto, é saber que podemos ser muito além de nossas profissões, muito além de nossos trabalhos, e que podemos ser muito além daquilo que a sociedade quer de nós.
Feliz 1° de maio!
Fontes: “Global burden of mental disorders and the need for a comprehensive, coordinated response from health and social sectors at the country level“. World Health Organization. Dezembro/2011.